25 de junho de 2015

Na Buchholz

Os livros crescem em mim por arborescência*; como as árvores.
Aparte disto, desta absoluta parvoíce que é andar sempre de roda dos livros, envolta nos livros, engolfada por livros, tenho uma urgência muito estúpida de os aconselhar a outras pessoas como se os livros que leio fossem os únicos que valessem a pena ler.
É um serviço público aconselhar livros e oferecer livros, e um crivo muito pessoal que gosto de manter. Acontece que já ninguém se espanta com um livro, mesmo que seja um livro espantoso.
Noto que se alguém oferecer um pinchavelho horroroso para meter no rabo, por exemplo, ficam todas contentes, 'ai que lindo, é da Pedra Dura?'
Claro que sim, se não fosse dura não dava para enfiar no rabo.
Estou-me literalmente a cagar se aventam o saco da Leya ali para um canto, enquanto se encantam com os restantes pinchavelhos. Na verdade a desculpa de escolher mais um livro e o prazer que isso me dá, já me basta a satisfação.
Fui por isso comprar um livro à miúda dos anos.

O primeiro, A Condição Humana do André Malraux, coisa finíssima, que começa com uma personagem a tentar esfaquear outra, que dorme, recolheu uma desfeada e muito franzida  ruga da testa da mulher do balcão.
- Para quem é? Alguma amiga do escritório?
- Não. Para uma solteira. Serve?
Riu-se e apontou-me as 'Sombras'.
- Tenha decoro! - respondi-lhe eu. Anda sedenta por me vender esse pseudo-ultraje. Chega a haver sexo ou só se lambem?
A mulher fica a olhar-me escandalizada, mas não muito. Lamber é talvez persona non grata das palavras da livraria. Vejo que não gostou do termo nem esperava que o utilizasse. Vê-me sempre com os meus óculos de massa preta e julga-me pela aparência. Estive quase a dizer-lhe que o tal livro, a servir-me, só se fosse para ajudar a levantar um pouco o rabo quando... mas depois desisti. Tossi uma tosse rouca que não me larga, devolvi-lhe o olhar e disse:
- Há pessoas que gostam de lamber papel. Acho até um pouco erótico. No fundo é isso que fazem as mulheres que compram estes livros. Não havendo sexo, lambem o papel - metafóricamente falando.


A mulher não entendeu a piada e não se riu. Não sei o que se passou ao nível daquelas sinapses mas o profissionalismo apareceu e a mulher continuou, completamente desinteressada do local onde costumo colocar os livros pornográficos, ou se as gajas solteiras lambem livros por prazer.
- A literatura erótica está muito na moda - diz ela com ar entendido - esgota tudo. As mulheres andam pouco acompanhadas e desligadas... 
Desliguei-me. Não tenho interesse nenhum nas mulheres desligadas que aparecem na livraria. Que se liguem. Quero lá saber.
Estendi-lhe A Vida e Opiniões de Tristram Shandy, do Laurence Sterne, que vogava na minha ideia quando decidi comprar um livro. O livro dos livros. Quase ninguém leu. Mas assim que o laser passou no código de barras, naufragou-me a ideia. Muito caro para uma rapariga remediada.
Olho para os dois livros e fico irremediavelmente indecisa. Se calhar o André Malraux não é bom para uma mulher solteira que só quer divertir-se a lamber papel nas horas mortas.
Não percebo nada de mulheres solteiras e nem de horas mortas.
Volto novamente à livraria. 
Raios, está repleta de livros de culinária e leitura pum. A leitura pum é aquela leitura que além de cheirar terrivelmente mal, não deixa memória. Como foi o teu último pum? Não faço ideia. Fez pum e não me lembro de mais nada.
É cada vez mais difícil oferecer um livro. 
Não para mim, claro, que me informo sobre o que realmente vale a pena ler. Não compro um livro sem saber um mínimo sobre ele. Perdi muito tempo com livros de merda, dos que só servem para levantar o rabo. Já não estou para lamber papel.

O primeiro livro, lembrei-me agora, o que nos catapulta para uma vida de dependência literária, normalmente ali por alturas dos 13, 14 anos, tem de ser extraordinário. Se for um mau livro tudo pode estar irremediavelmente condenado. 

Volto aos livros.
Urge a hora e tenho pouco tempo para escolher. O Homem Sem Qualidades estava esgotado e uma cinta muito azul, de editora, fez-me olhar para o Que Importa a Fúria do Mar, da Ana Margarida de Carvalho. Peguei-lhe. Ao meu lado uma rapariga sumida, de pernas muito brancas, olhava interessada para o Rendida, de Sylvia Day.
Vai levá-lo, pensei eu. A literatura erótica está muito na moda. 
Senti-me patética por ser uma mulher sem horas mortas para ler leitura erótica. 
Há leitores patéticos, isso eu sei.
Quanto mais patéticas são as pessoas mais gosto dos livros. É que nos livros, e a certa altura, aquilo acaba.

Talvez por isso as mulheres continuem solteiras.

*Mário de Carvalho

21 comentários:

  1. Estou intriga aqui com uma coisa. Porque será que ninguém disserta um pouco quando a Uva vagueia pelo indispensável e maravilhoso(minha opinião, claro) mundo dos livros?
    Haverá coisa mais maravilhosa que vaguear pela Buchholz, mesmo pela Bertrand, por entre aquele cheiro e vontade (e comprar) um bom livro ? E ler, claro.

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    1. Foi tudo a correr comprar as dicas que aqui deixei. Hahahahahahaha
      Depois voltam e dizem que afinal o Tristram Shandy não é assim tão caro.
      Ando a falar de um livro espetacular há três quinze dias e ainda só uma pessoa perguntou que livro é. Para veres o interesse que os posts da Uva têm por estes dias. Credo!
      Estou perdida. ;)))

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    2. O melhor é mudares os dias, caso contrario...

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    3. Como assim Fernanda? Mudar os dias ou fechar esta bodega?

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  2. Li o teu post e lembrei-me que essssa livraria há muitos anos era completamente diferente do que é hoje . Lembro-me de lá ir , miúda , com o meu pai e achar a livraria demasiado séria e todos os empregados muito antipáticos .Havia uma funcionária com um ar muito distinto e frio que tratava mal quase toda a gente .Por acaso o meu pai talvez por ser um "bom " cliente , era bem tratado mas a minha mãe coitada já não tinha direito ao mesmo tratamento.

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    1. É a 'minha' livraria porque fica mesmo ao lado do meu trabalho. E agora tem funcionários muito queridos e gente nova. E tem apresentações praticamente dia sim dia não. O que é bom.
      A livraria está numa rua de advogados, é natural que seja só gente sisuda e séria com os olhos posto na secção de direito. A livraria tem um contra. É muito escura, só tem as janelas da entrada. Para livros é bom, mas para os olhos é mau. E não tem tudo. Esgota muito por ser central e isso irrita-me um bocado.

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    2. Os advogados não são todos gente sisuda e séria com os olhos postos na secção de direito....
      Também há os que gostam de " O homem sem qualidades"

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    3. Hahahahahaha! Os desta rua são assim. Muito circunspectos nas suas fardas. Mas sim é uma generalização injusta. Até encontrei alguns nos Santos, muito animados na Rua Berta. ;)))

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  3. Não quer ser minha amiga? Desde os meus 15 anos (mais coisa menos coisa) sempre disse que a melhor prenda que me poderiam oferecer era um livro, na maioria das pessoas não teve muito efeito. E ano após ano, natal após natal, fico desgostosa...

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    1. Acabo de lhe oferecer 4 livros de uma penada. Todos muito bons. Não os paguei é bem certo, mas terei todo o gosto de lhe oferecer um pelos seus anos. Pode escolher. Palavra.

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    2. I. a mim aconteceu-me o mesmo toda a vida. Tenho imensos livros, muito poucos foram oferecidos, ninguém ouve eu dizer que adoro ler, adoro livros. Tal como adoro ler, adoro oferecer livros e a maior parte das pessoas só da valor aos tais "pinchavelhos".
      Uva, vou anotar todos os teus conselhos e vou procurar, não os poderei comprar todos, mas é para isso que servem as bibliotecas. Beijinhos

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    3. A Vida e Opiniões de Tristram Shandy, do Laurence Sterne é um bom livro. Aconselho muito.

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    4. Já lhe disse que faço anos 3 vezes por ano? Uma chatice. Aceito de bom grado as suas sugestões. E já agora de que livro espectacular fala há três quinze dias?

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    5. Como é que é isso? Deve ter uns 200 anos o mais não?
      O livro já disse qual era. Está ali numas das citações.

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  4. Como se não bastasse a falta de tempo e ter milhentas leituras em atraso, venho aqui e vejo estas sugestões que me parecem excelentes.... alguma coisa vai ficar por fazer nos próximos tempos! :)

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    1. Tu dá-lhe com alma. Mas não deixes de fazer coisas realmente fixes só para leres um livro! ;))))
      Tive graça agora.

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  5. Olá Uva. Gostava mesmo de saber qual é o livro. Aguardo resposta. Obrigada, FB

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  6. Vou tomar nota das sugestões e passar na minha livraria predilecta de há 500 anos atrás. Aqui pela província é assim, até às livrarias ganhamos afeição, quanto mais aos livros. E como vêm aí as férias, já sei, leio 3 ou 4 seguidos sem tirar o cu do selim e como quem tem sede de ler o que durante o ano inteiro não consegue. Pena os livros serem tão caros...

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    1. Tu lês com o cu no selim?????????????????????????????????????????????
      Helpppppppppppppppppppppppppppppp. Como?
      Já sei. Depois vais contra os postes. Típico....

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