30 de abril de 2015

Do Nojo

Sempre ouvi dizer que há pais e paizinhos. 
Eu acrescento que, além destes dois tipos, há ainda um terceiro grupo constituído por pessoas primárias que têm filhos.
No mundo abundam paizinhos muito formados, ricos, cheios de reuniões nas agendas eletrónicas e jantares de negócios inadiáveis, e de uma pseudo-evolução intelectual superior à média.
Num mundo parelo às Avenidas principais, abundam pais pouco formados, cheios de dificuldades na vida, trabalhadores afincados mas indiferenciados, gente muito modesta na escala social, mas muito competente na escala dos afetos; o que os torna indivíduos bastante evoluídos intelectualmente.
Em ambos os casos, o cérebro é visível a olho nu.
Depois há os pais primários - não confundir com pais primitivos, porque nos primitivos havia muitos pais evoluídos, se é que me faço entender -, e que são os pais que têm uma vagina e um pénis a substituir a própria massa encefálica. São os sexual-pais, os que desenvolvem com os filhos relações sexuais incestuosas e destrutivas, de prazer coletivo, em detrimento de relações-filiais, relações-construções de formação individual.
É destes pais que reza a minha história de hoje.
Uma criança de 12 anos pode vir a ter outra criança, fruto de uma relação-violação perpetrada pelo padrasto-pai, com o conhecimento-consentimento da mãe que continua a ser a representante legal da menina. Esta senhora tem, como mãe, a legitimidade de decidir pelo aborto ou não do neto-filho (decisão esta que ainda não sabemos qual foi, porque o jornal Público, que resolveu ventilar esta merda, ainda não espremeu devidamente as fontes que lhe deram este furo noticioso sensacional).
A menina era abusada pelo padrasto-pai, desde os 10 anos. As entidades 'competentes' já sabiam do caso, aliás a menina já tinha sido retirada à família quando era ainda bebé.
Eu devo ser muito retorcida da cabeça quando digo que esta menina foi violada sistematicamente pelo padrasto-pai, pela mãe-madrasta, pela sociedade cívil-profissional, e agora (e sempre) pela comunicação social.
Fazem a esta menina o mesmo que fizeram com a Carolina.
Lançam a merda toda no ventilador, destruindo por completo a identidade da criança, que não tardará a ser denunciada por um qualquer rato que presta serviços ao hospital em troca de um Iphone.
Conhecemos finalmente a família completa, a casa, a escola, e todos os pormenores sórdidos do caso, além do padrasto-pai-estuprador que também já foi amplamente fotografado pelos reclusos da prisão onde está, para o 'pessoal cá fora ver bem o focinho do animal'. A mãe, pois a mãe já toda a gente sabe quem é. É a senhora que acompanha a menina ao hospital como representante legal da mesma.
A minha questão é só uma.
No meio de tantos primários comportamentos, primários serviços noticiosos, no meio da opinião pública que nos remete ora para o aborto, ora para a morte do animal, ora para a salvação do bebé de 5 meses 'que coitadinho', ora para o trauma duplo da criança que foi violada e agora tem de abortar, respondam-me se forem capazes: onde é que aqui neste caso, do princípio ao fim do mesmo, foi salvaguardado aquele que é o interesse maior, aquele que é o interesse mais elevado, aquele que é o interesse da criança? 
Sempre ouvi dizer que o calado vence tudo.
Pelos visto este será mais um caso perdido.

29 de abril de 2015

As meninas já ouviram falar da Trish Valkonsky?

Pois se não ouviram deviam pelo menos ver.

Tenho andado muito amorfa da cabeça para grandes epifanias literárias. Primeiro porque estou mais loira desde que pintei o cabelo a semana passada (bela merda), e depois porque fiz uns trabalhos que me esfrangalharam a massa cinzenta toda (além de me terem tragado, numa só garfada, o fim-de-semana inteiro), de forma que estou dos pensamentos muito parecida com o frango que desfiei ontem para a canja da ML.
Este estado de apatia mental tem consequências nefastas para o meu blogue, e ao invés de vos presentear com maravilhosos textos desses que vocês adoram, cheios de magia nas palavras, autênticos desfiles de Carnaval carioca lançando perfume na Avenida, fico aqui com a baba a cair em catarata para cima do teclado, enquanto faço trrec trrec trrec com o ratinho do PC a ver se encontro coisas para vos enganar.
Ontem encontrei uma coisa assim de babar, mas abundantemente. 
Não tenho a mínima pachorra para dedicar o meu tempo a olhar para o que os outros vestem, mas há malta que veste coisinhas muito engraçadas. Parece que esta doida da Trish Valkonsky tem um certo jeito para descobrir designers que desenham roupas giras para vestir em miúdas lindas, uma delas a cara chapada da ML e não quero agora pensar no que poderá ter acontecido para... bom, avancemos para as imagens que eu acho que o meu frango cerebral já está mas é todo espapaçado.
Vou colocar um modelito de cada, e as meninas fazem com os vossos próprios dedinhos o trrec trrec trrec com o ratinho. Dentro de cada link encontram a coleção completa de cada designer.
Aviso já que as minhas escolhas podem (devem) ser de um mau gosto atroz e os modelitos podem estar desactualizados na estação, mas estes aspetos para mim são bola porque às vezes visto roupa horrível de feia , com mais de década e meia, e há homens que ainda me assobiam e piropos e tal. 
Resmas.
Pay atention e limpai a baba. Agora!

(vestia tudo se não fosse uma lontra.)


(super!)

  
(muito cinquentona, mas pefeita)


 (espetacular)



5. E aqui também  ss 15 By Magda Butrym. Poland.
(roupa com pele é assim uma perdição. esta coleção é digna de se ver)



 (as florzinhas estão muito na moda não é?)



 (para miúdas que gostam de tudo muito colorido)



(os sapatos tem qualquer coisa de quoi de neuf)



 (muito gira esta coleção - futurista)


(tive dificuldade em escolher a foto de capa tal é a maravilhosa coleção)


(esta adorei)




Trish Valkonsky is a young and independent аrt lover. She was born in the iconic Moscow, raised in the city of Slovak culture Kosice, now living in cosmopolitan Munich. She studies diplomacy and works in the luxury business society. Her art gallery is revealing her real passion, the collection of great talents of the Slavic area. Her wish is to introduce independent and unknown names to the wide-ranging and receptive audience of the Western Europe.

28 de abril de 2015

E depois há umas pessoas que fazem umas coisas

Com o corpo, com as mãos, com as pernas, com a alma artística e criativa, que ultrapassa (e muito) aquilo que eu consigo fazer com as letras.
Bem entendido que eu com as letras não faço absolutamente nada, ou pelo menos nada de grande nota, mas o trabalho que aqui vos deixo é digno dessa nota, é digno de nota porque tem a musicalidade impressa nos tons da pele. Porque a música também se vê.
Grande artista esta miúda.
Escrevesse eu com as letras as palavras que ela descreve com os olhos.












Créditos da imagem e ARTISTA aqui!  

No fim da linha

Ainda dizem que é mau crescer no subúrbio.
Para algumas coisas é, ainda é, que eu bem sei a canseira que dá explicar que o sitio onde cresci não é esse, é o outro, o tal que tem o mesmo nome mas sem Santa nenhuma; antes tivesse, talvez o mal tenha sido esse, a total ausência de santos e anjos, só demónios e diabos enfiados nas cabeças e nos bolsos das calças.
O bairro foi o meu osso mais duro de roer, mas ensinou-me bem onde procurar o tutano da vida.
E quando apareceu o cavalo, a trote de uma crise que fez desaparecer estrategicamente a ganza para a introdução de uma nova merda no mercado, foi o subúrbio que deu o peito às balas.
Como se fosse um tubo de ensaio, um ninho de passarinhos abandonados, com os biquinhos muito abertos.  
E foram essas balas que nos mataram os amigos, tantos amigos, e que ainda hoje matam, para mal de muitos dos nossos passados e unânimes pecados, pecados de merda, bocados de merda, pecados de curiosidade imortal, balas cobardes, balas perdidas, reminiscentes, decadentes, que acertam em peitos abertos de qualquer um que ainda se ponha à janela, mesmo que protegido pelas grades.

A merda passou toda pelo bairro.
Vi passar o cavalo a correr, e os meninos a aprender, vi passar a hit girl branca como a neve, arrastando 7 mil anões, e outros tantos gigantes, vi passar elegantes e discretos Panoramix, ácidos irónicos, catatónicos, que agora matam os piolhos à criançada, e depois sempre a subir, com a droga do amor, as pastilhas só para o corpo, as pastilhas só para a mente, o pequeno Dinetel para ajudar na matemática, o Popers para relaxar os músculos, e o Serenal para acalmar todos os ânimos, ou para palmar uns capacetes, que a malta era tudo filho de gente muito pobre.
De tempo.

A ketamina veio já no fim da linha, e esta é uma boa expressão.
O bairro, atolado em merda até ao pescoço, enterrava mortos, estava moribundo, mas ainda mexia.
Muito antes desta alarmante notícia de pessoas a consumir doses para cavalo, já o subúrbio curtia trips de ketamina e experiências fora do corpo.
E ainda dizem que é mau crescer no subúrbio.
Para algumas coisas é, ainda é, que eu bem sei a canseira que me dá explicar porque raio percebo eu de tanta merda.
Mas por outro lado, qualquer garotinho do meu bairro sabe: ketamina? Só mesmo no fim da linha.

27 de abril de 2015

OS INIMPUTÁVEIS - Hoje na UpToLisbonKids® by Uva Passa

OS INIMPUTÁVEIS 

O aluno de 13 anos entrou na escola Joan Fuster, na cidade de Barcelona, em Espanha, munido de uma besta, uma faca, uma pistola de chumbos e material para preparar um cocktail molotov, tendo atingido mortalmente um professor e ferido outras quatro pessoas, dois alunos e dois docentes, antes de ser imobilizado por um professor de Educação Física. O jovem foi descrito como uma pessoa normal e sem problemas de socialização aparentes. Os seus vizinhos viam-no como um rapaz “educado e discreto”, tal como a sua família. Na escola, contudo, é-lhe feita uma descrição diferente. Mas, apesar de admitirem o seu gosto por “coisas do exército” e os seus comentários sobre armas e mortes, os colegas e amigos não o consideravam um rapaz marginalizado, muito menos “com problemas”.

 
Nem todas as crianças são frágeis e inocentes.
A ideia central que rege actualmente o modelo da infância, segundo o qual as crianças são diferentes dos adultos e devem, por isso, ser tratadas de forma diferente é uma construção relativamente recente.
Ainda assim, há países que entendem de forma bastante diferente a questão da impunidade criminal que protege as crianças de serem tratadas como adultos, mesmo que os crimes cometidos sejam crimes de índole híper agressiva, como é o caso do assassínio, e aplicam a premissa de que se a criança teve idade suficiente para pegar numa besta e matar alguém também tem idade para ser punido pelo crime que cometeu. 
O caso Inglês surge aqui como corolário da mudança fixando a idade penal nos 10 anos. 
Uma criança de 10 anos é capaz de cometer um crime mais ‘adulto’ do que o próprio adulto. Já vimos isso, vemos cada mais, e percebemos todos os dias, pelas notícias que vão nos chegando em catadupa, que os centros de correção juvenil que antes se encontravam cheios de miúdos com mais de 17 anos, se encontram agora repletos de crianças de 13.

Mas então como proceder?

Para a sociedade em geral, que protege sobremaneira as suas crianças e as coloca numa espécie de pedestal sacrossanto, dificilmente conseguirá aceitar que uma criança com 13 anos possa ser condenada a prisão perpétua.
A tendência é para uma maior tolerância (e às vezes perdão) dos crimes cometidos por menores baseada em argumentos que se alicerçam na responsabilidade social do menor. Assim, não estando totalmente construída a personalidade do menor no seu todo, também a pena não deve ser assumida no seu todo. A moldura penal é assim balizada por uma questão de percurso de vida, isto é, uma criança mesmo que criminosa, não deverá assumir toda a responsabilidade da sua pena, pois que ainda não se assumiu totalmente na sociedade.
São-lhe vedados deveres na exata medida em que lhe são vedados direitos.
Por outro lado a delinquência é um comportamento, e os comportamentos são gerados na sociedade, ou se quisermos, são gerados pela sociedade, logo a sociedade deve absorver uma parte dessa culpa.

Mas será mesmo assim?

Vejamos novamente o caso Inglês. Recentemente um rapaz de 13 anos foi condenado a prisão perpétua por matar uma mulher de 47 anos à porta de um bar.
A lei inglesa não foi branda com o rapaz. Fechou completamente as portas, e para sempre, a uma possível recuperação ou arrependimento.
Por outro lado a família da mulher referiu que não importava quantos anos o jovem iria ficar na prisão porque continuaria a receber as visitas dos familiares, e ademais os seus pais poderiam voltar a ver o seu filho; coisa que a eles lhes estava impedido para sempre, pois que não voltariam a ver a sua.

Olho por olho, dente por dente?

Na questão da reabilitação importa notar que a tendência geral é para haver um decréscimo da delinquência após o início da maioridade e aproximação da idade adulta. Neste caso a institucionalização de menores até à idade adulta, ou até a uma idade aproximada da maioridade seria acrescentar responsabilidade ao menor, afastando-o da criminalidade ou aproximando-o da consciência e arrependimento do seu crime.
Se ao invés da reabilitação se avançar para a responsabilidade total da culpa, do pagamento efectivo do crime, a sociedade livrar-se-ia de forma mais permanente do jovem criminoso, e expurgava a raiva de alimentar pequenos terroristas em centros de reabilitação totalmente permeáveis à continuidade dos comportamentos, tanto pela facilidade de fuga, como pelos modelos de semi-internato, em que o jovem pernoita no centro mas é livre durante o dia.
Mas o problema é que as prisões são autênticas escolas do crime, e no caso português, em não se verificando a pena perpétua, o jovem criminoso acaba por ser liberto pior do que lá entrou. Talvez até mais afinado, mais escolarizado, mais revoltado.
A aprendizagem dos comportamentos socialmente desviantes na prisão far-se-á através da exposição às acções dos outros, maioritariamente adultos, e não se prevê que Portugal consiga no curto prazo responder às necessidades de um novo modelo de prisão juvenil.
Resta-nos esperar pela experiência dos países mais desenvolvidos, que separam o trigo do joio de acordo com o tipo de crime.

Uma criança de 10 anos que mata sadicamente um ser humano, é justamente inimputável?

O aumento da criminalidade muito jovem em Portugal ainda não assumiu os contornos de outros países, como é o caso da Inglaterra, França ou Alemanha.
Por enquanto resta-nos aumentar a prevenção nas famílias e nas escolas, porque o bairro, o terceiro fator de risco para a delinquência juvenil, já está totalmente fora de controlo.
Se a diminuição da influência da família é compensada pela procura de relações alternativas (à medida que os menores se aproximam da idade adulta), e se as alternativas existentes no bairro forem alternativas de crime, desonestidade e comportamentos desviantes, então estaremos cada vez mais perto da redução da idade penal em Portugal, e consequentemente, dos inimputáveis.


Todos os direitos reservados

26 de abril de 2015

O que (não) vês da tua janela, Uva?

Pois que não vejo absolutamente nada.

Vejo ao fundo a janela, que vejo, ainda não estou totalmente pitosga, embora para lá caminhe supersónicamente, percebo que lá fora a chuva parou e o solinho até está com ar catita, com ar de alguns amigos, poucos, mas bons, vejo que fiz bem em tirar o plástico da roupa, pendurada vai para três dias e capaz de ir outra vez para dentro da máquina que o vizinho gosta muito de assar sardinhas em abril, o túspido, vejo que se calhar é mesmo isso que vou fazer, ou amanhã é um cheiro a peixe no escritório que não se aguenta.
Entretanto deixa-me cá tirar os olhos da janela e da rua que não vejo, largar a porra do blog, e agarrar-me como uma leoa ao trabalho que abunda em cima da secretária, que só por um acaso muito triste deste meu destino se encontra a milhas da janela, porque sou uma anormal e comprei uma secretária preta que é fina como a porra (desculpem o porra outra vez, mas não encontrei outra palavra para substituir o porra, e sempre é melhor que o foda-se, muito mais brejeiro mas em algumas situações muito mais elegante) e que não pode apanhar sol, vejam bem a qualidade do bicho, e além de ter de trabalhar em contas, cálculos e aritméticas a um domingo, o dia de Deus Nosso Senhor, ainda tenho de o fazer sentada a uma secretária preta, longe do sol, fechada numa sala que só por acaso fica quase totalmente virada a norte, e, como um azar nunca vem só, com a televisão em altos berros sintonizada no Disney Channel.

E deixem-me mudar completamente de assunto, aqui só um bocadinho, mas estou completamente vidrada nesta imagem que um gajo qualquer tirou antes de ser quase atacado pelo bicho, uma fotografia assim tipo maravilhosa, em ficando uma pessoa a olhar para ela assim 5 minutos de seguida, mas à qual o meu designer particular já fez questão de estragar todo o encanto quando me disse que a fotografia estava completamente maquilhada.
Maquilhada ou não, faço já aqui saber que quero a Mequinhas seguidora desta tendência quando for mais crescida, porque fica muitíssimo bem em felinos selvagens.
Como ela.

Que maravilha! 
Havíamos de lançar mais vezes os fotógrafos aos leões. Éramos capazes de fazer uns trabalhos à maneira.

Imagem captada por Atif Saeed, um fotógrafo de vida selvagem a trabalhar no Paquistão, poucos momentos antes de este o atacar. 

25 de abril de 2015

Sabeis, verdadeiramente, o que são vacas?

As criaturas de aspecto carnalmente peremptório eram aquelas cujos corpos ocupavam o espaço todo, as vacas cor de creme, com os flancos largos a oscilar livremente, as panças grandes como barricas, e os úberes imensamente túmidos de leite, ao ponto de parecerem caricaturas, as mansas, pachorrentas e pacíficas vacas, cada qual uma indústria ambulante de autocomprazimento com mais de seiscentos quilos, animais de grandes olhos para os quais remoer num extremo de uma manjedoura enquanto eram sugadas até ficarem secas no outro, e não por uma, duas, ou três, mas sim por quatro latejantes e infatigáveis bocas mecânicas - para as quais a estimulação sensual simultânea em ambos os extremos era o seu voluptuoso e justo direito. 
Cada uma delas mergulhada numa existência bestial abençoadamente isenta de significado espiritual: esguichar leite, ruminar, defecar, mijar, pastar e dormir, a isso se resumia toda a sua raison d´être.
De temos a tempos, um braço humano revestido de uma comprida luva de plástico entra no recto para remover o esterco e depois, tacteando pela parede rectal, guia o outro braço na introdução de uma pistola de inseminação, tipo seringa, no tracto reprodutivo, a fim de depositar o sémen. Isso significa que as vacas procriam sem precisarem de ser importunadas pelo touro, apaparicadas até na reprodução e depois assistidas no parto.
Não lhes falta nada, têm tudo do bom e do melhor no aspecto físico, incluindo o prazer de ruminar com toda a calma fartas quantidades espapaçadas e pingosas do próprio bolo alimentar fibroso.
Poucas cortesãs levaram vida tão regalada.


Philip Roth - A Mancha Humana.

Isto é, no meu paupérrimo e fraco conhecimento sobre literatura, a melhor descrição sobre vacas leiteiras, e mesmo de outros bichos, de que tenho memória.
É uma ínfima parte daquilo que foi produzido desde 1997 até hoje, por aquele que considero ser um dos melhores, senão o melhor, escritores da atualidade, e a quem deveria ser entregue por mérito e outros adjetivos substancialmente mais qualitativos, o nobilíssimo Nobel da Literatura.

Liberdade

A Liberdade é conseguirmos libertar os outros das nossas próprias prisões.
Quando todos formos capazes da total permeabilidade na diferença, isto é, aceitar que os outros são e serão sempre diferentes de nós, aí, e só aí, poderemos pensar em Liberdade.
Até lá temos uma grande barreira comum para vencer: a soberba de acharmos que só aos outros cabe a difícil tarefa de nos aceitarem como somos, já que o que somos é tão-somente aquilo que temos de mais perfeito.
Só seremos livres quando permitirmos aos outros a sua própria liberdade.
Somos pois, ainda, e sempre, todos prisioneiros uns dos outros.

"Em cada esquina, um amigo; em cada rosto, igualdade."


24 de abril de 2015

O incrível mundo das amigas dos blogues - Tomos I, II e III

Passava uma ligeira brisa quente por entre os Jacarandás, que frondosos e exuberantes, largavam doces pepitas roxas que caiam muito devagarinho ao redor dos copos vazios de Whisky Yamakazi Puncheon.
A esplanada cheia de gente, crepitava de vagar, de moças e rapazes esbanjando tempo, de poetas, rimadores e ex-jornalistas, de escritores, decoradoras e filósofos, enfim, eram várias as personalidades do meio artístico, cultural e desportivo, sobretudo maratonistas, que ali se encontravam para desfrutar os longos e amenos dias que se faziam sentir na época mais prazerosa do ano. A mudança da estação.
Duquesa de Pi, uma senhora muito bem posta na vida, sorvia o néctar dos deuses Yamakazis por uma curiosa palhinha cor-de-laranja que havia trazido da última viagem à Índia, onde tinha passado dois meses inteirinhos a meditar, instalada num belíssimo hotel chamado SanMeditEpicLight - clique aqui para marcar já!
Sentada na sua poltrona de veludo, a única da esplanada com aquele tecido, acariciava as pernas muito depiladas e ainda dormentes do esforço da maratona meditativa, e despachava encomendas de verniz e de cremes depilatórios, apontando tudo proficuamente num lindo caderno com gatinhos, oferta de uma amiga muito fófi, que se dedicava à adoção de animais abandonados, e os vendia depois on-line, com grandes laços no pescoço.
E estava totalmente absorta nisto, quando se apercebeu duns olhos muito negros que a observavam de soslaio, tentando desesperadamente ver o que fazia, como fazia e sobretudo como fazer igual.

- Duquesa de Pó? Por aqui?
- É verdade amiga, vim descontrair um pouco à esplanada e fazer alguns negócios sociais. - Dizia a Duquesa de Pó, sem tirar os olhos do caderno da amiga.
Duquesa de Pó, que odiava acima de todas as coisas o Whisky Yamakazi Puncheon, sobretudo o Chell Filtered, porque lhe fazia lembrar a sogra, sorvia com notada dificuldade um detox de nabo gourmet, sobretudo para agradar à amiga Duquesa de Pu, que agora se dedicava a essa área de negócio.
- Mas diga-me amiga Pó, o que tem feito por estes dias?
- Ahh, tenho-me encontrado muito ocupada em diversas angariações e feiras - clique aqui para contribuir já! Sabe bem como sou apegada e sensível aos problemas do povo, e o que me esforço para estar em todas as frentes. Por falar nisso Duquesa de Pi, estou a organizar para este sábado uma feira muito gira de traquitanas e ...
- Ohhh, que pena, adoraria, mas estou totalmente tomada com uma maratona de  10 850 km barreiras, e bem sabe que não perco uma - clique aqui para fazer a inscrição já - oferecemos brindes!
Duquesa de Pó, furiosa com a resposta negativa da outra, começou logo ali a congeminar uma maneira de se vingar da 'amiga'. Pegou no seu portátil novo, abriu a sua rede social, e iniciou aquilo que tinha em mente.

Ali à volta, umas duzentas ou (mil e) trezentas (milhões de) pessoas atropelavam-se para tocar ao de leve nos cabelos das suas divas, mas um tal de Inácio Pancrácio, mais conhecido por IP, um armário enorme treinado pelo temível PT, rondava a mesa para impedir abusos e descobertas pouco abonatórias das suas clientes, o que acabava por afastar alguns anónimos, sobretudo os da espionagem industrial, conhecidos por espalhar a difamação dos produtos, e algum bom-senso nos consumidores.
Nisto, um reboliço acendeu na ponta mais a sul da esplanada, e duas garbosas madames, ambas vestidas de macacão preto Osho, gritavam qualquer coisa sobre a possibilidade de haver contrabando nas altas esferas do comércio internacional, e de estar instalado o caos nas vendas on-line.
- Como assim, é um pano? 
- É como lhe digo, isso que traz vestido não passa de uma grande fraude.
- Mas, mas, se foi a minha amiga de anos, a Duquesa de Pé que mo vendeu, como pode ser isso, uma senhora tão fina e tão minha amiga? E o stock, que faço eu agora ao stock?
E a conversa continuou animada, com diversas opiniões sobre as possíveis formas de escoar o produto, que pelos vistos até não era assim tão mau, devido às suas multi aplicabilidades, em várias áreas da casa e em várias horas do dia.
Tudo se resolveu, e as vendas lá seguiram o seu curso - clique aqui para encomendar já!
Mas, a esplanada habituada a vulcões temporários - cujas fagulhas sempre se apagavam inofensivas na calçada da cidade -, parecia estar mais interessada numa rapariga muito bonita e vistosa, que ali acabava de chegar com umas sandálias-minhoca muito enroladinhas às pernas, e cuja beleza, parecia encantar toda a plateia feminina.
- Ahhhh que sandálias tão feias! 
- Não, não, são lindíssimas, e que qualidade!
- Ui que careza! Serão de oiro?
E logo se juntaram pessoas de todos os lados da esplanada, para tocar ao de leve nos cabelos da grande diva grega, a ver pelas sandálias - clique aqui para encomendar já! Últimos números!

Vrummmm! Vrummmm!Vrummmm! Vrummmm!
Um barulho ensurdecedor assustou a esplanada.
O som era tão forte e tão medonho que várias personalidades se encolheram para debaixo das mesas, cheias de medo de serem identificadas com aquela monstruosidade.  
Era o Flamingo das Cavernas da Buraca, homem de grande elegância e distinção, que com a ajuda da sua bengala-torpedo, saía de um carrão roxo muito antigo mas muito... antigo, e de nariz empinado perscrutava o ar, cheirando o suave odor dos Jacarandás e o perfume das Duquesas mais finas. Perfumes Franceses. Clique aqui para encomendar já!
Logo atrás dele, um enorme tractor cheio de lama nos pneus, parava  também.  Trazia no grande atrelado de madeira de mogno um apinhado de raparigas muito magras, e muito belas, diziam elas, que acabadinhas de chegar à cidade e decididas a implementar uma nova forma de fazer negócios, se espalharam pela esplanada, estrategicamente, conquistando de imediato muitas das clientes que gravitavam embevecidas à roda das Duquesas, mas que procuravam novas formas de vida.
Muitos dos negócios que ali se faziam, desfizeram-se. As Duquesas, amontoadas todas a um canto, coitadinhas, choravam agarradas umas às outras, e o que se passou de seguida ficou nos anais da história.

Aquilo que se pensava ser o início de uma guerra, feia, sangrenta, horripilante, ficou conhecido como Blogosfera, uma esplanada gigante no meio da cidade, cheia de gente diferente, umas duquesas outras marquesas, umas doces, outras tigresas, mas todas senhoras de grande elegância e inteligência, alguns homens muito cultos e animais de rara beleza.
Flamingo das Cavernas da Buraca, sem saber o que fazer com tanto mulherio, e com os cavalheiros que isso ali atraia, sentou-se numa mesinha muito afastada, pediu um copázio cheio de Grants novo, que engoliu de um trago e gostou, e iniciou um pensamento que havia de o atormentar por longos anos.

Qual é afinal o problema das mulheres?
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23 de abril de 2015

E às vezes aparece um texto mesmo em bom!

Que vale muito a pena ser lido.
Desta vez é o Medo, da Linda Porca.

Parabéns Linda, pela tua escrita, por ti.
Um abraço aqui da Uva.

O Livro do Ano by Uva Passa (2014)


Paul Krugman chamou-lhe “o livro da década”. Não sei se é assim, mas em poucas semanas atingiu o top de vendas da Amazon só com a edição francesa e inglesa. 
Falta-lhe meio mundo. Talvez Paul Krugman tenha razão.
Não há que temer as mais de 700 páginas de 'O Capital no Século XXI' por três grandes motivos. O primeiro prende-se com o conteúdo temático. É sobretudo um livro de história económica. O segundo porque a escrita escorreita, e tecnicamente simples, se lê num fôlego, e por último, porque o brilhante Piketty não escreve só para economistas ou para os especialistas das ciências sociais. Escreve para todos, o que é pouco comum na temática em apreço.
Para quem se interessa pelas questões do capitalismo, pela evolução económica das sociedades e sobretudo pela repartição da riqueza, então tem aqui uma excelente companhia para a cadeira da praia.
Entre nós o livro está publicado sob a chancela da Temas e Debates, já na sua 3ª edição.

Thomas Piketty virá falar-nos no dia 27 abril pelas 18h30, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A entrada é livre.

O capitalismo foi sempre — e continua a ser hoje, na época da sua maior globalização e financiarização — um capitalismo patrimonial, isto é, um sistema de produção e distribuição de rendimento que, a partir de uma maior ou menor desigualdade inicial, gera sempre, de forma endógena e progressiva, acumulação e concentração de património (ou capital) nas mãos de uma percentagem muito minoritária de famílias. No longo prazo “as pessoas com riqueza herdada só precisam de poupar uma porção do seu rendimento sobre o capital para que este capital cresça mais depressa do que a economia como um todo”. 
Uma sociedade capitalista acaba sempre por ser uma “sociedade de herdeiros”.

Excerto da recensão do livro por João Constâncio em 16/05/2014 

Nota: farei o favor de enviar aos interessados a brilhante recensão completa do livro de Piketty feita pelo João Constâncio. O documento word tem 6 páginas frente, na fonte Helvética 10.