7 de abril de 2014

E a propósito do amigo Manuel Forjaz, que ontem nos deixou, o que andas tu, Uva Passa, a fazer com o teu tempo?

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem.
O tempo respondeu ao tempo, que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo... tinha.
 
 
 
O tempo é como  dizia (e bem) o meu amigo Manuel Forjaz. É o que temos em menor abundancia, e por isso mesmo,  o bem mais precioso da vida.
Foi este o ensinamento que o Manuel Forjaz me legou. Estar atenta ao (pouco) tempo que tenho para ser feliz, sentir-me bem com as minhas escolhas, e dispensar as coisas comezinhas do dia-a-dia, que fazendo falta, só o fazem à sôfrega e vil consciência, como se fossem uma espécie de culpa que carregamos desde o berço, transplantada ou herdada por genética social, e que nos obriga a cumprir rituais tão estúpidos e tão absurdos, como ficar a trabalhar até às dez da noite, só porque isso é o que o mundo acha que devem fazer os funcionários de elite.  
O tempo é como um amor platónico, um amor que não nos corresponde, que não quer saber de nós.
É ingénuo e infantil, e corre sem saber que existimos.
Corremos os dias atrás dele, na tentativa de o agarrar, de o seduzir. Tentamos infinitas formas de sermos notados, damos pulos, saltamos fronteiras, fazemos planos, inventamos carências, necessidades, prazos, metas.
Em vão. Nada o faz parar, e mesmo se o agarramos, é falso que seja nosso.
Como uma criança que corre livre, sem saber muito bem para onde, assim faz o tempo, sem olhar para trás. E nós corremos ofegantes em seu encalço, sem qualquer hipótese de o alcançar.
O tempo é isto, um cavalo com asas.
De que me serve a ilusão de que um dia vou ter tempo em quantidade e de qualidade?
Não será  o tempo, igual a um miúdo, que crescendo e ficando melhor, não é mais nosso?
Mas, óh, que diferença faz, mais um dia, menos um mês? Decerto que o terei no final da carreira profissional ou talvez depois de criados os filhos, quem sabe quando ganhar melhor. Não te iludas, Uva. O tempo nao tem tempo, para te dar (mais) tempo.
O Manuel Forjaz havia de te dizer que, ou te apercebes em tempo que perdes  tempo em passatempos, ou a tua vida não passará de um simples durar.
Em que perdes o teu tempo, Uva? Juntaste o suficiente, trabalhaste o suficiente, ou continuas exasperando-te, fazendo planos, contas, listas e ajustes, amealhando os dias, como se pudesses depois dispor deles no futuro, como se mais tarde pudesses voltar atrás, para apanhar o sol daquela tarde, empurrar com força o baloiço, fazer aquela festa de família, ou visitar um amigo que por agora, ainda não partiu?
Farás quando, aquilo que queres? Quando pensas sentar-te a ler? Quando terás tempo para escrever a história, três histórias, mil histórias? Quando pensas recuperar as amizades perdidas, os familiares magoados, os erros da vida?
Òh, pensas tu: hei-de ter tempo, amanhã.
Pois sim. Continua então sozinha, despida das pessoas que te fazem falta, com o frio do orgulho a afagar-te a pele; continua mirabolando histórias, fazendo personagens que ninguém vai conhecer. Continua no vazio das palavras que outros escreveram para ti, mas que tu não quiseste ler.
É bem verdade, Manuel Forjaz.  Acabou-se o teu tempo, mas tu não perdeste tempo.
Ainda assim, foge-me o meu, em coisas sem interesse, coisas que me foram plantadas na cabeça, os preconceitos, os sucessos, os deveres, o ser melhor, o chegar lá.
Chegar onde? Ao fim? Cheia de coisas penduradas nas paredes? As casas, os carros, as férias, os diplomas, os cursos, as conferências, os vazios, os nadas?
É esse o legado que espero deixar a quem terá mais tempo que eu?
Ainda estarei a tempo?
 
Obrigada Manuel Forjaz, por esta consciência que despertaste em mim.
  
Tu, que tens tempo sem ter conta, não o gasteis sem conta, em passatempos.
Cuidai! enquanto é tempo, em terdes conta.
 

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